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Em direção a uma representação positiva da migração

Autor: Niroshini  Thambar*

Tradução para o português: Viviane Rosa Juguero

A representação é poderosa. Positiva ou negativa, ela tem consequências de longo alcance, afetando como as pessoas vêem a si mesmas e às demais. Nos primeiros dias de 2019, agências de notícias do Reino Unido anunciaram a "crise de migração" que aparentemente estamos enfrentando, embora as estatísticas indiquem o oposto. As histórias sobre povos negros e mestiços que tentam desembarcar ilegalmente na costa sul da Inglaterra, e a reação do governo ao trazer militares para patrulhar os mares, reforçaram a imagem cada vez mais negativa da migração a que nos acostumamos.

Quão difícil deve ser a vida de alguém que deixa seu lar e família e empreende uma jornada tão perigosa. No entanto, apesar disso, a narrativa que categoriza certos grupos de pessoas persiste e elas são vistas como menos importantes e indignas, além de serem utilizadas, muitas vezes, como bodes expiatórios por serem percebidas como a causa de todos os males da sociedade, o que desvia nossa atenção das verdadeiras injustiças cometidas por quem está no poder defendendo seus próprios interesses.

Ao criminalizar as pessoas pelas quais deveríamos sentir compaixão, normalizamos a ausência de generosidade. A palavra 'migrante', um termo abrangente que integra refugiados e migrantes econômicos, está se tornando estigmatizada e resumida à significação de alguém que quer nos tirar sem dar. No entanto, a migração é tão antiga quanto a própria humanidade. As pessoas sempre viajaram, miscigenaram-se, comercializaram e trocaram, compartilhando arte, cultura, habilidades e amizade.

Eu vivenciei a infância como sul-asiática britânica, com pais imigrantes de uma ex-colônia britânica e que enriqueceram o Reino Unido durante suas vidas produtivas. Eu brincava com bonecas de pele clara, gostava de televisão, filmes, música e lia muito. Eu adorava tudo isso, contudo, quando criança, eu não via a mim ou à minha família em representações satisfatórias na arte e na cultura que me circundavam. Onde estavam as pessoas que se assemelhavam, conversavam e viviam como nós? Eram poucas e esporádicas, e geralmente reforçavam o estereótipo de preguiçosas.

Isso não era de todo ruim, pois a arte e a cultura nos oportunizam compreender a vida de quem é diferente de nós. Podemos procurar e encontrar um fundamento comum dentro de histórias que inicialmente parecem um mundo à parte do nosso. Isso nos ajuda a desenvolver solidariedade nas distinções de alteridade, descobrindo o que nos une e não o que nos divide. No entanto, se não experimentamos também uma representação autêntica de nosso povo, corremos o risco de nos tornar invisíveis ou caricaturais, o que alimenta a intolerância, o preconceito e a desconexão.

Como as crianças que iniciam suas trajetórias em novos países, devido a guerras, perseguições ou razões econômicas, serão afetadas se as únicas histórias propagadas na sociedade  caracterizam-nas como uma ameaça que chega para se beneficiar de dinheiro e empregos sem ter nada para retribuir? E para uma criança cuja identidade é representada, na arte e na cultura, de maneira excessivamente positiva em detrimento de outras identidades, existe o perigo de incentivar um sentimento prejudicial de legitimidade de direitos na idade adulta, que, se desmedido, pode levar à ausência de empatia e compaixão por pessoas diferentes de si mesma? (Refiro-me a alguns membros do atual governo do Reino Unido…)

Então, como artistas podem confrontar as representações cada vez mais negativas da migração que estão envenenando nossa consciência coletiva? Simplificando, por meio da arte que criamos, temos uma maneira poderosa de dar equilíbrio à representação. Se pudermos continuar a aumentar a diversidade de vozes no teatro, tanto no palco quanto na plateia, poderemos ampliar o compartilhamento da múltipla experiência humana por meio de nossas histórias, canções, textos, músicas, estilos e performances, sem simplesmente permitir que quem tem mais influência defina as narrativas.

A representação positiva ao longo da infância é importante para que as crianças se reconheçam no mundo à sua volta e desenvolvam um sentimento saudável de pertencimento, auto-estima e atitude em suas vidas. Todos os indivíduos jovens têm direito a uma infância segura e nutritiva. Eles são as pessoas adultas do futuro que moldarão o mundo de amanhã. Para ajudar a construir um mundo gentil e generoso em que o respeito e o amor por todas as pessoas sustentem a forma como tratamos nossos semelhantes e nosso planeta, precisamos criar um trabalho artístico que represente a diversidade e a inclusão na humanidade desde a infância.

Ao trabalho!


* Niroshini Thambar cria trabalhos para teatro e instalação usando música, som e texto. Nascida no Reino Unido, com ascendência no Sri Lanka, reside na Escócia. Mais informações em www.niroshinithambar.com

Este artigo foi originalmente solicitado pela Imaginate como parte do PUSH, um projeto da Europa-Criativa que engloba gênero, (super) proteção e migração.

www.pushproject.eu 

Ilustração de Ailie Cohen